Como um bom vinho
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Pra quem se lembra, aos 22 veio a idade do "Por que?".
Agora, aos 23, eis que chega a idade do fim da adolescência.
Isso mesmo. Me parece que, aos 23, eu, pela primeira vez desde que consigo me lembrar com clareza, me olhei no espelho e não me vi mais adolescente.
Não vi as incertezas, os dramas, as ansiedades, o desconhecido, a formação diária da personalidade, o imediatismo.
Há traços novos, que ainda não decidi se devo chamar de "juventude" ou "vida adulta".
Há, em mim, um pouco de cada um desses pontos citados acima, mas eles já não aparecem no reflexo no espelho, nem estão mais num mesmo "pacote".
Aliada à mudança no segunda dígito está a notícia (excepcional!) da nova geração de Morais. Parece criança fazendo criança - e mesmo que a criança-mãe tenha seus 27, eu ainda vejo nela os 16 do cabelo anos 80, da mononucleose e do biquini asa delta.
Agora eu vou ser tia. Não importa se filha, neta, irmã, caçula (em todos os títulos anteriores), mas TIA. Que coisa de adulto é ser tia. É ser professora. É ser amiga de infância. É ser "imprensa".
Não há saudosismo nessas palavras. Ao contrário. Eu sou quem mais vê beleza na idade. Adoro as histórias, as palavras, os costumes, as mudanças. Eu curto dizer "quando eu era menina...", e "menina" já pra usar uma expressão bem idosa. Quantas vezes não ouvi "Tu já nascesse velha!" e sorri orgulhosa diante desse suposto xingamento? AdOro! Talvez porque adoro escutar as histórias dos outros, e quero saber, me imagino vivendo em outros tempos.
E digo: não queria nunca ser adolescente de novo. Oh, fasezinha infernal. Vestibular, "2h no máximo!", paixonites descabidas, biologia/química/física, mesada... péssimo. Agora, passou.
O que fica? Fica uma sensação de missão cumprida e uma curiosidade tremenda do que vai estar escrito no capítulo a seguir.
Mas... eu me propus a escrever aqui sobre o que passou. O que vem, já fora dessa ânsia adolescente, não quereria nem tentar adivinhar. Faz parte da recém-chegada maturidade a paciência.
E sobre o que ficou no hoje, no tão efêmero hoje, seria impossível escrever sem o distanciamento necessário. No entanto, claro que no recém-surgido perfeccionismo adulto não poderia faltar algo tão importante.
E eu só conheço um autor com sensibilidade suficiente pra traduzir esse momento pra mim:
Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio [...]
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido [...]
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos
Essa capacidade de rir à toa
Esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser [...]
Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade,
Dentro dessa incapacidade de aceitá-la tal como é [...]
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha [...]
[Trechos do poema O Haver, extraído do livro "Jardim Noturno - Poemas Inéditos", 1993, de Vinicius de Moraes]
Eu diria, ainda, que resta todo o resto - no sentido lato da palavra, não de sobra, mas de remanescente.
E falta ainda mais: outras fases, outras idades, outras experiências a se somarem a este saldo - cada vez mais positivo.
[Tia] Rafa
1 comentário:
Lindo o texto...palavras de quem se conhece e acompanha cada evolução com os olhos seus. DIzem que não é fácil crescer, mas talvez o difícil seja justamente perceber as mudanças na vida, na cabeça, no grau de parentesco e, mesmo com a cara de menina, se perceber mulher...
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