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Esses dias, eu me dei conta que eu tenho ensinado por 7 anos e não houve um minuto, até hoje, em que eu não tenha sido extremamente grata pelo quão extraordinário tem sido. Praserbemsincera, é tão ótimo que eu comecei a me perguntar como eu poderia parar de ensinar um dia. Com o tempo passando, e meu lado jornalístico se encaminhando, eu acho que essa mudança assustadora de área pode estar muito próxima.
Um coisa é certa: Eu acho que nunca poderia parar completamente. Realmente me parece que ensinar se tornou um vício pra mim. Mas eu acho que devo dizer que “eu posso parar”, mas que só não sei se serei tão feliz quanto tenho sido nesses 7 anos.
Então, permita-me explicar o que ensinar significa pra mim.
Em primeiro lugar, existe aquela sensação boba que um colega de ofício um dia narrou de forma tão precisa:
"Primeiro dia de aula. Eu entro na sala e digo ‘Boa tarde’ e todos os alunos, em coro, me respondem. Depois, mando todos abrirem seus livros, e eles abrem. Foi aí que eu percebi: essas pessoas vão fazer qualquer coisa que os mandar fazer... É quase como ter um novo super-poder, de mandar em advogados, médicos, políticos, mães, pais... Que maravilha!"
Então, o tempo passa, e esse “poder” deixa de ser uma sensação boba, uma vez que você se dá conta de que você pode realmente mudar as coisas pra essas pessoas. E não estou falando de mudanças do tipo “falar inglês pode melhorar sua vida”. Eu falo de você poder, de fato, conversar com essas pessoas por um número de horas toda semana, criar laços com elas, aprender com elas, ensina-las com suas próprias – ainda que poucas – experiências pessoais, e, uma vez ou outra, se tornar uma pessoa em quem eles vão pensar com carinho, que vão citar em determinados momentos e de quem vão se lembrar por muito, muito tempo. Para mim, isso é impagável. A idéia de um de meus alunos dizendo “mas a minha professora disse que...”, como se estivessem se referindo a um expert é incrível. E o final dessa frase raramente será “... não se usa to depois do can”.
Alunos têm esse jeitinho de nos surpreender com certas coisas, como a lembrança de uma opinião polêmica sua sobre um filme de que você mal se lembra de ter assistido – quem dirá falado sobre ele. Aí chega uma sensação que você tocou aquela pessoa e, possivelmente, a ensinou a olhar para mais de um lado de algo, a pensar, ponderar e se expressar.
Como aluna, eu tive professores que me transformaram no que eu sou hoje. Karen me dizendo que eu deveria ensinar, apesar dos 15 aninhos; Pedro me dando sermão porque “você sabe que vai chegar em casa e vai se ensinar tudo o que tem no livro, mas outros não conseguem fazer isso... então, não converse com seus amigos pra não prejudicá-los”; Terto e seus gritos de “solte a caneta, meu bem, aprenda a escutar, escutaaaaaaaarrrr...”. Pra não falar de tantos outros que me ensinaram exatamente que tipo de pessoa NÃO ser quando eu crescesse.
Quando eu olho pra trás, pra aquele primeiro momento quando eu comecei a ensinar – 16 anos incompletos, calça folgadona, allstar, saia hippie, anel no dedo do pé, ... – eu fico me perguntando como eu tive a coragem de encarar o desafio. Eu acho que eu não tinha era idéia de como isso seria importante na minha vida. Se eu soubesse disso, nessa época, talvez não tivesse encarado. Eu acho que ignorância, às vezes, realmente é uma bênção – outra lição memorável aprendida em sala de aula, como professora.
Ensinar, hoje em dia, envolve todo um conhecimento teórico e metodológico, contexto em que surge, constantemente, o conceito do “information gap” [lacuna de informação]. Quando um indivíduo precisa de uma informação que ele não tem, é a comunicação que possibilita que ele a consiga com outra pessoa. Pronto: o único jeito de se aprender algo é não saber algo. Dessa forma, nós devemos sempre nos lembrar que todos os gênios têm que ter, um dia, sido ignorantes. E, como uma pessoa na busca constante por auto-conhecimento e aprimoramento, eu devo dizer que acho isso muito animador.
No mais, existe todo aquele carinho que esses estranhos estão dispostos a lhe dar. Abraços inesperados, sorrisos, bilhetinhos, palavras de conforto, “obrigado”s, etc. É como se eles estivessem constantemente tentando lhe dizer que você faz parte da vida deles e que eles gostam de você por isso.
Ensinar a adolescentes, então, é todo um outro capítulo. Não há nada melhor que pensar que você pode salvar um ou dois desses jovens complicados, que poderiam se tornar pessoas frias, amargas ou indiferentes, mas, de repente, se tornam presidentes do grêmio estudantil, primeiro lugar no vestibular ou estudantes de artes plásticas (por mais que os pais quisessem que eles fizessem direito ou medicina). E você se dá conta que teve uma participação nessas conquistas quando, algum tempo depois, eles vêm até você e lhe lembram daquele dia quando eles estavam se sentindo de fora, ou pra baixo, e você contou aquela sua história, junto com aquele conselho que você queria ter ouvido, e a perspectiva deles, de repente, mudou.
Eu tento um orgulho inenarrável dos meus alunos, do que quer que seja que eles alcancem. E eu sempre gosto de pensar que posso ter tido qualquer mínima participação para uma vitória deles. Você sabe por quê? Porque qualquer que seja a vitória que eu alcance na minha vida com certeza ela conta com a participação de cada um deles, sem falar na dos meus professores. Porque, sim, eu sou aluna também. E eu percebi que nunca vou deixar de ser, não importa quantas faculdades eu abandone, quantos diplomas eu tenha, quantos cursos eu faça, quantas aulas eu assista. Porque o único pré-requisito para ser aluno – leia-se: aprender - é estar vivo.
E, se você me permite, eu acho que o mesmo vale para ser professor. Toda a idéia do tema desse post começou a tomar forma quando eu percebi meu medo de poder perder isso. Mas, agora, enquanto as palavras e os pensamentos se organizavam no papel, eu percebi que isso não vai acontecer. Na realidade, algumas das melhores lições que eu aprendi não vieram de professores formais. Como aquela da minha mãe, que sempre dizia: “o que muda a vida são as circunstâncias”. Ou a do meu avô, que provava que o silêncio constante é a melhor forma de garantir o momento de ser ouvido à primeira palavra falada. Ou da minha avó, que me ensinou a acreditar no que eu quisesse acreditar, porque, no final das contas, o que conta é a sua fé em algo.
Então, eu creio que a única coisa que precisa ser mantida pra que eu continue sendo tão feliz quanto eu sou hoje como professora é esse tipo de interação, traduzida na tão importante comunicação.
Eis que, de repente, seguir caminho para a área jornalística não parece mais tão assustador.
Rafa